2011/07/10

Vida

Que beleza incrível. Que cena difícil de descrever. Quem dera houvesse testemunhas, mas não havia. Há muito se extinguiram. Os poucos restantes traços de sua existência enfim desapareciam.

O calor era tão intenso que as rochas já começavam a evaporar. Logo não restaria coisa alguma, logo o núcleo teria o mesmo destino da atmosfera e dos oceanos.
Aquela enorme rocha, antes tão cheia de elementos dinâmicos, dava seus últimos suspiros, gritos estridentes de vapor do que não se imaginava senão como firme sólido, alicerce para as formas de vida que já a tinham habitado. Mas não havia tristeza; não havia sentido para tristeza. E logo não haveria nada.

Pesadas estruturas se desfaziam derretidas como o tempo de Dali, para logo evaporarem. Enfim, a efêmera vida, em todos os seus sentidos, toda sua alegria e tristeza, todos os medos e esperanças, encontrara sua derradeira paz. O esquecimento era o que restara para aquela breve cena num ato mais longo, mas igualmente insignificante, da estrela que agora se alimentava de sua cria.

Formada do mesmo pó, nunca teve o brilho de sua enorme vizinha, elemento central daquele pequeno carrossel, um apenas de 200 bilhões de outros, que dançam em torno do impassivo e insaciável maestro. Não, ela nunca foi tão grande, mas tinha seus atrativos. Produziu vida com a radiação e pedradas que recebeu. Uma concatenação de eventos improváveis produziu o ainda mais improvável. Ou seria uma série de eventos inevitáveis produziu um evento que, enfim, atingira seu fim inevitável?
O que quer que tenha sido, não é mais. Agora jamais será. Era como se jamais tivesse sido.

O que será que pensaria algum ser racional que estivesse, há poucos milhões de anos atrás, fazendo seus planos, se visse de repente esta cena? O que pensaria se visse o fim de sua arte, de sua história, de sua descendência? Como olharia para seus filhos se lembrasse sempre do fim inevitável? Como pensaria o amor, o medo, a esperança de retribuição por trás de seus atos? O que esperaria de seus dias? O que faria de suas irritações e tristezas?

Agora não importa. Sua importância, antes questionável, se não encontrou uma resposta definitiva, encontrou uma situação definitiva. As últimas resistências cedem e se consuma o ato final: o material que não foi tragado é expelido como uma fumaça se dissipando pelo ar. Mas essa poeira logo se dissipará, e logo não se poderá dizer que um dia houve uma pedra ali. Ou que nessa pedra havia coisas que se movimentavam como que por si mesmas. Ou que algumas dessas coisas acreditavam que se alegravam e se entristeciam, que odiavam e matavam, ou que amavam.

Ninguém mais dirá nada. Ninguém mais há para dizer. Nada mais se pode dizer.

2009/09/19

Ad Infinitum

Demorei, mas voltei. Finalmente escrevi este texto. Veio meio sem querer, mas mesmo assim não consegui evitar. Além disso já deveria estar dormindo e estou com muita fome. Todavia, não podia fazer a idéia esperar mais. Se não acharem mais que uma perda de tempo, a culpa é da idéia, não minha. ;)

Oi. Meu nome é... bom, não importa. O que importa é que eu existo. Você deve estar se perguntando "Como assim, essa coisa que um mané escreveu me dizendo isso!". E se você for um pouco mais inteligente - ou desligado, ou sínico - deve estar pensando "Onde será que ele quer chegar?", não eu, mas o autor. Mas não pense nisso, seja mais inteligente, como no caso da primeira alternativa, pois o importante aqui sou eu. Sou eu. Eu SOU.

Você consegue me imaginar? Eu sou tão flexível quanto sua imaginação e mais a de um potencial infinito de próximos leitores. Assumo forma e mudo tão logo é determinado pela mente-ambiente. Mas não sou passivo. Quer ver só?

Eu estava caminhando por uma rua estreita numa noite fria, quando de um beco escuro soa um ruído estranho. Parei. Tremi."A Morte deve ter tropeçado enquanto expelia o que o fígado não conseguiu suportar da noitada." Senti meus joelhos trêmulos sobre meus pés húmidos, de suor ou de água suja duma poça, presente da chuva esporádica do verão no Planalto Central.
Quando dei por mim, estava voltando pelo caminho que me levou ali, num passo apressado, agoniado pelo desconforto da ideia de estar me afastando do caminho de casa, da chegada, sentindo-me seguido por um espectro sem cheiro nem ruído, ser cor nem peso, sua presença pesando nas minhas costas sua mão. Será que minhas panturrilhas vão agüentar, será que vou cair? Devo correr? Vou ter cãibras amanhã? Ele está aqui, está me alcançando; vou ver pelo menos seu rosto, se tiver coragem de abrir os olhos. Abri.
Acho melhor procurar um edredom, está frio; dormir com frio sempre me dá pesadelos.

Isso aconteceu. Quando? Acabou de acontecer: na minha mente, quando eu sonhei na sua. Na sua mente eu crio, cada vez que uma idéia faz sentido, por menor que seja, ela existe, na sua mente. E não foi você, não, com todo o respeito, você só forneceu o material, quem desenhou o beco fui eu, com suas cores, com seus tijolos, ou cerca, talvez um cachorro deitado no canto, à espreita por um portão - e fiz de novo. Se eu quisesse, teriam as cores e formas que eu determinasse, mas não vamos gastar tanto tempo com uma mera demonstração do meu poder criador.

Aqui na sua mente há muito pouca distância entre potência e ato, entre querer que exista e existir de fato. Quando quero que se formem árvores, elas estão presentes, o material nunca acaba, só depende da riqueza do mundo-mente em que me encontro. Se eu tropeço numa lata, você até ouve o barulho. Eu existo e crio.
Você acha pouco? "É só um pouco de nada, umas letras organizadas por um ocioso." Pois eu existo mais do que você! Com mais cores e por mais tempo. Fui concebido numa mente humana, não menos humana nem mais que eu; devagar, com tempo, mais tempo de gestação do que o esperado, mas vim de surpresa, enquanto o escritor conciliava sua organização de idéias com sua vontade de jogar no computador, mas eu fui mais forte, vim. Nasci aos poucos, escrito e apagado e reescrito, melhorado dentro das limitações de quem o fazia - melhor do que você, que é desse jeito, sem jeito. Sua mãe não tinha backspace?

Cá estou eu, e estarei novamente, toda vez que alguém ler este texto, para sempre ou para nunca, mas deixando uma marca - pequena e efêmera, talvez; talvez não - em todos os mundos que percorrer, como outros que existem da mesma forma que eu. E talvez, só talvez, se você tiver muita sorte, você também não exista, e aí também você poderá viver tanto quanto eu.

Tem mais coisa no forno. Perdi muito com uma infeliz tentativa de restauração de sistema, então terei de começar de novo. Mas por hoje é só.

2007/04/18

Especial

Depois de muito tempo, eu volto a postar. E material do ano passado, bem atrasado. Pior: apenas isso. Mas deixem-me explicar: é que eu não tenho tido muito tempo por causa de namoro somado a trabalho e faculdade. Falando nisso, é sobre isso o texto de hoje. Espero (não muito) que gostem.
Este é um texto de discussão de idéias e contextos relacionados à educação especial. É em forma de diálogo, entre duas pessoas. É uma maneira em que eu gosto de pensar.

-Ah, é você! E aí?
-Legal a alegria que você demonstra ao me ver. “Ah, é você!”...
-Qual é? Eu só... não esperava, só isso.
-Certo.
-Pois é, já tô indo.
-Como eu ia dizendo...
-Não, é que eu tenho que fazer um trabalho.
-Hum...
-De repente até tu pode me ajudar a ter umas idéias.
-De repente...
-É sobre pessoas com necessidades especiais, mais especificamente na área da educação.
-E o que quer dizer a expressão?
-Quer dizer que essas pessoas têm alguma deficiência ou diferença muito grande que interfere no aprendizado.
-Explique. Cite exemplos.
-Um cadeirante, por exemplo. A escola precisa ser adaptada para permitir a locomoção desse aluno, o que inclui rampas, espaços maiores nas salas de aula e fora delas. No caso de um surdo, deve-se usar mais recursos visuais nas aulas e aprender pelo menos um pouco de Libras.
-Então esses alunos são chamados de educandos com necessidades especiais por causa da interferência que causam no espaço escolar?
-É, eu acho que é por isso.
-Então eu não entendi.
-Como não entendeu?
-Não entendi por que eles são chamados de alunos com necessidades especiais. Os outros alunos, como são chamados? Ou não são chamados?
-Não são chamados de nada, só de alunos. Os primeiro são chamados assim por terem necessidades diferentes.
-Mas eles também não causam interferências no ambiente escolar?
-Bem, sim, mas...
-E que nome se dá a eles então?
-Mas acontece que eles causam interferências normais.
-O normal não é causar interferência? O que são interferências normais para você?
-Ora, são normais! São, por exemplo, que não precisam modificar a escola. Pronto!
-Isso não responde. Pra começar a escola não existe por si só. Ela só existe por causa dos alunos, logo, não dá pra se pensar uma escola que não seja construída a partir do perfil desses, quaisquer que sejam. A escola não estava lá quando surgiram os alunos; ela surgiu por necessidade deles. Então, se a escola não atende os alunos o erro é de quem fez a escola.
-É, mas você tem que considerar que antes não havia esses alunos.
-E por que não? Desde o início do Velho Testamento que se tem registro de paralíticos, surdos, cegos e etc. Onde eles estavam quando fizeram a escola?
-Fora da escola.
-Com certeza; não havia escolas ainda...
-Não, o que eu quis dizer é que essas pessoas não freqüentavam a escola.
-Então agora que eles estão chegando a escola tem necessidade de modificações especiais, tanto física como pedagogicamente, é isso mesmo?
-É.
-Mas por que eles estavam fora da escola?
-Na verdade alguns deles estavam em escolas especiais e outros totalmente fora.
-Por quê?
-É tudo uma questão de integração social. Conforme a escola tem evoluído o acesso deles tem aumentado. Antes não havia integração nenhuma, depois foram criadas as escolas especiais, depois as classes especiais; agora tá quase totalmente integrado esse tipo de aluno na escola comum.
-O que eles faziam nessas escolas e classes especiais?
-Eles aprendiam de forma diferente. O objetivo dessas escolas era mais preparar eles pra uma integração com os outros do que o aprendizado escolar em si, como nas outras escolas.
-Deixe-me ver se eu entendi: os chamados alunos especiais eram separados dos chamados alunos normais a fim serem preparados para se integrarem a eles? Eles eram excluídos para serem incluídos, é isso mesmo?
-Bom... na verdade, sim, mas... Olhando assim, realmente...
-Não parece ser uma boa idéia.
-Mas nessas escolas eles tinham atendimento diferenciado, de acordo com suas necessidades.
-Então agora eles têm esse mesmo atendimento nas escolas comuns?
-Teoricamente sim.
-Ou jogaram a responsabilidade na mão de outros. Ou não queriam mais gastar dinheiro com as tais escolas.
-Boa ou má intenção, o caminho é bom, desde que seja implementado direito.
-Ou seja, que as necessidades desses alunos sejam atendidas. O que nos leva àquele assunto da nomenclatura. Agora que estão todos na mesma escola, vão continuar chamando esses alunos de pessoas com necessidades especiais?
-Sim, claro. Eles têm necessidades especiais. Ainda tem diferença entre eles e seus colegas.
-Tipo o quê?
-Tipo a comunicação.
-Tá certo que se pode ter um padrão de comunicação que abrange muita gente e quem não conseguir usar esse padrão ter uma nomenclatura própria, mas e quem usa o mesmo padrão de forma diferente ou não eficientemente? Não tem necessidade especial também?
-Você tá falando de quem tem dislexia ou dislalia? Eles também estão no grupo.
-Não precisa ir tão longe. Eu me refiro a pessoas como você.
-Como é? Como assim pessoas como eu? Você tá me chamando de quê?
-Estou dizendo que você poderia ser considerado um educando com necessidade especial, pois tem dificuldade de se expressar, tem um vocabulário restrito e uma certa dificuldade de raciocínio lógico. Sua dificuldade deve poder ser superada se você tiver um atendimento especial, que focalize suas necessidades. Estou errado?
-Apesar de eu não ter gostado do exemplo, eu acho que concordo.
-O que eu queria dizer é que todos os alunos, supondo que não há alunos iguais, devem ter necessidades diferentes, que devem ser atendidas de forma diferente. Ou vocês já descobriram alguma forma padrão que funciona para todos?
-...bom...
-Sendo assim, acredito que todos os educandos deveriam ter atendimento diferenciado a fim de que seu aprendizado obtenha maior sucesso. Claro, se esse for o objetivo do ensino formal.
-...É, eu acho que isso já é outra história... Olha, eu tenho que fazer um trabalho, então eu já vou indo, tá bem?
-Se precisar de alguma coisa...
-Não! Digo, não precisa se incomodar. Obrigado! Tchau!

É isso. A Educação tem evoluído, de maneira geral, e também o atendimento a quem tem necessidade especial. Mas ainda não chegamos a um nível de inclusão satisfatório, porque ainda precisamos de nomenclaturas para pessoas.

2006/11/06

Trabalho na rodoviária

Na quarta feira, dia primeiro de novembro, eu passei por uma situação muito interessante. Vou escrever da forma que eu me lembrar; sinto muito por não conseguir ser mais preciso. Vou evitar ao máximo colocar minha opinião, embora seja do meu ponto de vista a estória. É que eu acho mais interessante que quem a lê decida por si mesmo. Mais uma coisa: os erros de português não são da digitação; eu tentei transcrever literalmente o que foi dito.

Eu estava na rodoviária do Plano Piloto esperando um ônibus para Sobradinho quando uma menininha apareceu vendendo jujubas. Tentei falar com ela mas ela não ouviu. Ela encontrou com um menino atrás da parada e eu fui atrás dela.
-Oi! Ei! Jujuba! Você não tá vendendo jujuba?
-Quer jujuba, moço? Quatro por um real.
-Compra de mim. – diz o garoto que estava com ela.
-Olha... – eu começo – é que... assim... Na verdade eu queria era conversar. Eu queria saber... você é muito nova para estar trabalhando, né?
-Fazer o que, tem que trabalhar.
-Mas você deveria estar estudando. Quantos anos você tem?
-Eu tenho nove.
-Eu tenho onze - responde o menino. – Mas a gente estuda.
-Eu tô na segunda série. – diz a menina.
-IHH! Eu tô na quarta, ihhh! – retruca o garoto.
-Na quarta, então você tá atrasado né?
-É que eu morava no Piauí, aí meu pai viajou pra cá, aí eu perdi dois anos.
-Então você era adiantado né?
-É, eu era.
-Desculpa eu estar toda hora olhando pra lá, é que eu tô com medo de peder meu ônibus.
-Que ônibus é que tu pega?
-O 501.
-Pra onde que é?
-Pra Sobradinho.
-Passou um já, eu vi lá.
-É, mas não era o meu. Então; - me referindo à garota – não tem como sua mãe conseguir uma bolsa-escola ou outra coisa pra você não precisar mais trabalhar? Onde é que você mora?
-Eu moro em Luziânia.
-E sua mãe te traz pra cá pra trabalhar.
-Não, eu venho com aquela mulher ali.
-Qual?
-Aquela ali, vendendo churrasquinho. A de amarelo.
-Eu vim com meu pai, -diz o menino- ele também tá ali vendendo churrasquinho.
-Onde?
-Lá, ó. Atrás daquela caixa de isopor.
-Aquele careca ali?
-Hahaha! Não, o outro.
-Pô, eu vou lá falar com eles. Por que não tem condição de vocês ficarem trabalhando, vocês não têm idade pra isso. Pela lei vocês só podem trabalhar a partir dos quatorze anos.
-Mas minha mãe precisa, ela tá desempregada. – ainda a menina.
-Poxa, mas será que não tem outro jeito? Fala com sua mãe, vê se dá pra dar um jeito. Pra isso tem a bolsa-escola. Vocês não deveriam estar trabalhando. E aquela mulher que você falou? Fala com ela. Cadê ela?
-Ela tá ali, ó.
-Meu tá lá também. – o menino.
-Vou lá falar com eles.
-Num vai comprar não? –pergunta a menina.
-Não – eu respondo. – Se eu comprar eu vou estar estimulando esse tipo de coisa, que é errado. Trabalho infantil é errado. Eu vou lá falar com eles. Tchau.
Me aproximo da mulher, que estava logo em frente à faixa de pedestres, perto da mureta, e tento chamar a atenção dela; quase tenho de gritar.
-Com licensa. Oi! Ei!
-Hã.
Eu tive de me aproximar mais, pelo lado pra ser ouvido.
-Dá licensa? Opa, deixa eu sair daqui, a fumaça tá vindo toda pra cima de mim. Oi. Tem uma criança vendendo jujuba; ela tá contigo, né.
-É.
-Eu falei com ela, ela é muito nova; será que não tinha como você falar com a mãe dela, para ela não trabalhar mais?
-Ah, a mãe dela deixa.
-Mas será que não tinha como ela arrumar uma bolsa escola, sei lá...
-Ela gosta de trabalhar.
-Pôxa, mas ela é criança, não tem isso de gostar. Se você disser pra ela gostar de trabalhar ela vai gostar, né? – falei sorrindo; não queria que tivesse um tom de sermão. – Ela poderia conseguir uma bolsa escola, sei lá, pra parar de trabalhar, né? Será que você não poderia falar com a mãe dela pra ela tentar? Desculpa eu estar olhando pra lá, é que eu tô com medo de perder meu ônibus.
-Ela tem bolsa escola. Só que a mãe dela tá desempregada e tem oito filhos pra criar sozinha.
-É uma situação complicada... mas tem jeito de resolver, ela não precisa estar trabalhando.
-Agora, - ela começa a demostrar irritação- eu acho engraçado. Tem um monte de menino ali em baixo (apontando para os meninos de rua na parte de baixo, no gramado de frente à Esplanada) e ninguém faz nada. Agora a menina está trabalhando aqui e vem o outro encher o saco.
-Olha, é uma situação complicada, eu sei que não é fácil, por isso que eu só tô falando pra você conversar com ela, pra menina num trabalhar mais. Pôxa vida; a menina tem nove anos, o outro lá tem onze; são duas crianças. Eles tão perdendo parte da infância deles, queimando etapas da infância, numa idade em que eles deverias estar brincando, sabe, isso atrapalha até no desenvolvimento cognitivo deles. Uma hora chega a polícia aí, sei lá, e leva pro juizado, prum abrigo, aí a mãe fica sem a filha e fica a criança sem uma família; e se ficar na rua fica sem estudo. Todo mundo sai perdendo com essa situação. E, convenhamos, trabalho infantil é crime, né?
-Agora; é melhor ela tá aí trabalhando do que robando, cherando cola. Aqueles meninos estão aí, por que que ninguém faz nada? A menina pelo menos tá trabalhando.
-Mas não tá certo, as duas situações estão erradas. Só porque...
-Que que é mais bonito: a menina tá trabalhando ou tá roubando, tá cherando cola?
Perdi a calma costumeira e elevei também meu tom de voz. Passou a ser realmente uma discussão, no mal sentido.
-Os dois são feios. Só porque o outro é mais feio não quer dizer que a menina estar trabalhando é bonito. Um erro não justifica o outro!
-É, e vai fazer o que? Paga o aluguel dela então! Ela tem oito filhos pra criar, a menina tá ajudando ela!
-Ela pode morar em outro lugar. Lá em Sobradinho, que é onde eu moro, tem um lugar assim. O pessoal que mora lá tudo tem família, só que a família não dá conta de sustentar então a criança fica morando lá, estuda, brinca, não precisa estar trabalhando.
-E o que que você tem que pôr o dedo na ferida dos outros? Vai pôr o dedo naquela ferida lá. – apontando pra os meninos de rua. -É melhor tá trabalhando que robando!
-É, mas tá trabalhando aí na rua; daqui pra ali é um pulo.
Aí o cara que estava à esquerda dela no meu ponto de vista, atrás de uma caixa de isopor, se manifesta, todo irritado.
-Ela num tá largada na rua não, ela tá com a gente!
-É, mas você acha razoável uma menina de nove anos trabalhando?
-E o que que tu tem que tá se metendo?!
-Eu tou falando por que eu me importo. É uma criança...
-Olha tu vai-te pra...
-Você acha razoável colocar uma criança desse tamanho pra trabalhar?
-Olha, é melhor tu sair daqui, é melhor pra você... – com o dedo indicador levantado como quem dá um aviso, e as sombrancelhas franzidas.
Nisso chegam dois homens. O da frente começa a falar com a mulher:
-Tô vendo a discussão de vocês de lá. Ele é o que seu?
-Nunca vi. – responde a mulher.
Ele vira para mim:
-O que que você tá se metendo aí?
Não consegui escutar direito o que ela falou, mas acho que fez ele entender que falávamos da menina. Então ele me pergunta:
-Ela é o que sua?
-Precisa ser alguma coisa minha? Você acha razoável uma criança trabalhando?
-É da tua família? Ela não é nada sua, por que tu tá se metendo?
-Ué... Você não se importa com o que acontece no seu país?
-Que importar o que! – rindo – País de ladrão, só tem corrupto! – levantando a mão com desdém em direção à esplanada.
-Mas é por isso...
-Tu num tem nada que se meter! – a mulher.
-Eu só tô falando porque eu me importo.
-Vai te importar com tua família! – diz o homem, rindo.
De novo o cara atrás da caixa de isopor:
-Vai embora, tô te avisando!
-Cara, isso não é razoável... –eu digo, já sentindo que não dava mais pra conversar.
-Vai! – diz ele, entre o murmúrio indistinguível dos outros. – Vai-te pra puta que pariu!
-Cara, isso não é razoável...
-Vai se importar com tua família e deixa os outro em paz! – diz o outro.
-É por isso que esse país não muda! – eu reclamo e vou andando de volta a esperar o ônibus.
Na parada a menina ainda passa por mim e sorri. Eu correspondo forçadamente, já que ainda estava irritado com a situação. Quando ela passa de volta, vira pra trás, olhando pra mim, e se vai.
Eu fiquei pensando se ligava pro disque-denúncia ou não, já que às vezes a criança fica pior sem os pais. No ônibus eu resolvi que sim: uma mulher que põe oito filhos no mundo ser ter condições e depois entrega na mão dos outros para trabalhar não teria condições de criar a menina. Concluí que a menina ficaria melhor sem ela. A primeira coisa que faria depois de descer do ônibus seria ligar. Liguei pro disque-denúncia e me deram o número do SOS Criança.
-Bem... é, pensando bem, não quero fazer uma denúncia anônima, não. Eu quero realmente participar disso, quero fazer alguma coisa. [...] Se precisar de qualquer coisa, de mais informação pode ligar. [...] Bem, foram três unidades bem gastas.



Foi uma chatice escrever essa estória, e deve ser uma chatice ler. Não que seja totalmente desinteressante, mas é que é desgastante. Preferia que não fosse real, mas infelizmente é. Não sei se o que fiz foi certo. Não sei se faria denovo. Está aqui para análise, para provocar o pensamento. Não que eu queira respostas; eu só quero que observem algo que eu achei interessante.
Basta.

2006/09/02

Caramba! Só agora lembrei...

O blog está meio abandonado... mas é que eu estou com a memória ruim para lembrar de postar e o que postar. =/
E eu deveria ter postado esta frase aqui há tempos:
"Um ignorante bem intencionado acaba fazendo sabotagem involuntária."

Sim, é minha frase sim. É, é tosca mesmo.
Mas é algo a se pensar.
Se possível vou estar publicando mais estórias em breve.
E basta por enquanto.

2006/07/24

AAAA...

Isso que eu vou escrever agora foi uma inspiração que eu tive com uma amiga minha enquanto procurávamos por pilhas AA. Pronuncia-se 'aa~' um som levemente longo, não como um curto 'a' ou um longo 'aaa~'. Essa explicação é importante para que o texto seja melhor compreendido. Ah, claro, lembrem-se de que não é possível realmente distingüir a pronúncia dos sons longos aa~.

Um cara entra pela porta da esquerda numa drogaria pequena, mas com duas entradas, ao lado de uma papelaria na rodoviária.
-Olá. O vocês têm pilhas aa~ (pronunciado da forma descrita acima)?
-Não, mas tem aqui do lado (apontando pra direita, na direção da papelaria).
-Ah, sim. Obrigado.
Entra na próxima porta à direita.
-Oi, aqui vende pilha aa~? Uai, você de novo? Você trabalha aqui também?
-Não, pilha tem aqui do lado.
-Tá bom, obrigado.
E entra na próxima porta à direita.
-Oi, vocês têm pilhas aa~?
-Não, pilhas aaa~ eu não tenho. Só tenho aa~ e C.
-C? Deixa eu ver.
-São essas aqui.
-Ah, essas aí são C? Eu sempre pensei que fossem a, porque é grande. As outras não são aa~ e a menor aaa~? Então...
-É, faz mais sentido já que as outras são aa~ e aaa~, a maior deveria se chamar a.
-Bom, pelo menos a menorzinha não se chama cccccêêêê~. Ia ser uma droga pra comprar.
'Me vê aí uma pilha ccccccccêêêêêêê~.'
'Ccccccêêê~, C ou ccccccccêêêêêêê~?'
'Ccccccccêêêêêêê~.'
-Realmente seria uma droga.
-Ah, mas e a pilha? O senhor tem aí?
-Qual, aa~?
-Não, aa~.
-Aaa~?
-Aa~.
-Ah, aa~. Bom, você quer alcalina ou da comum? É mais baratinha...
-Deixa eu ver... Alcalina.
-Tá aqui. Obrigado.
-Obrigado.

Acho que é só isso. Eu espero que, quando ela ler isto, não fique com raiva por estar faltando alguma coisa, ou sobrando. É que nem eu confio na minha memória.
Acho que já basta.

2006/05/14

(Acho que) Penso, logo, (acho que) existo.

Pra não abandonar o blog logo de cara, vou escrever umas coisas...
Hoje é dia das mães e tá batendo aquele sentimento ruim... me sentir culpado por não gostar do dia das mães enquanto minha mãe gosta, e ainda deixa bem claro que quer presente. ¡¬_¬

Mas, mudando de assunto, vou colocar aqui um diálogo que eu escrevi, há algum tempo, num e-mail pruns amigos meus.


o que eu faria com uma câmera.
Kashira to Lista, Aníbal 12/17/05

- É sério, cara; como você sabe se você existe mesmo, que não é simples fruto da imaginação de alguém?
- Sabendo, ué! Eu penso; logo, eu existo!
- Pensa ou alguém escreveu que você pensa?
- Penso, caramba!
- Olha só; alguém pode bolar um personagem e criar sua mente; grande coisa 'você pensa'. Na T.V. todo mundo pensa. Desculpe, quase todo mundo. ...Dos personagens; quase todo mundo entre os personagens.
- Cara, tá, mas não é só isso, eu também tenho sensações, tenho uma história; tipo... EU NASCI...
- Grande coisa! EU poderia ter escrito seu nascimento e até a história do seu país. Do seu planeta! Isso não prova nada!
- Bicho, pára de viajar...
- Não, cara, é sério. Tudo poder ser invenção. Até essa nossa conversa de agora pode ser invenção da alguém!
- Putz...
- ...Pode ser um simples trecho de um filme ou livro ou um papo de um filósofo de botequim. Pode ser que o filha-da-mãe não tenha nem inventado um início pra estória ou nem faça um final...
- Cala a boca!!
- E se agente nem tem uma representação gráfica??
- Como é??
- É, e se agente não tem nem uma aparência, sei lá, uma figura mal desenhada sequer. Já pensou? Não adianta nada, você levantar de manhã e pentear o cabelo. ...Ou escovar os dentes, já que filme nem livro têm cheiro. Isso, é claro, considerando que você fosse tão longe aponto de se tornar personagem de alguma coisa, sendo tão inexpressivo...
- Inexpressivo! INEXPRESSIVO!! Inexpressivo porque fico ouvindo sua ladainha?? Inexpressivo porque não entro nessa sua viagem com você?!
- Calma, eu tava só zo...
- Só o que tu tá fazendo é falando abobrinha! Você não consegue provar nada e, se fosse possível, por algum absurdo que fosse, de você estar certo, você não conseguiria provar.
- Ah, mas tem mais uma coisa: onde é que estão aquelas coisas que não podem ser descritas com palavras? Sensações e outras coisas mais?
- Como assim, 'coisas que não podem ser descritas com palavras'? Que coisas?
- Tá vendo? Você não sabe porque não tem! Isso quer dizer que agente faz parte de um universo restrito a palavras! Nem pra gente fazer parte de um filme ou, sei lá, pelo menos um livro com figuras!
- ...
- Que foi?
- Tá bom! Você me convenceu! Agora vou viver a minha vida muito melhor, uma existência significativa e única... AGORA QUE EU SEI QUE NÃO EXISTO!!! Tá satisfeito??

/* é isso aí. eu não sabia como fazer o final, e o resto eu tinha mais ou menos de cabeça, mas o final veio conforme eu escrevia. pensando bem (me ocorreu agora também) isso foi conveniente demais, parece invenção de alguém... peraí! [ /halt ] (acho que eu devia parar comisso).
falou


É, aqui acaba a mensagem. Espero que quem leu tenha se divertido.
Basta por enquanto.